sábado, 11 de junho de 2011

Trabalho não é coisa de criança


Crianças do Peti iluminaram a Praça Floriano Peixoto
Na última sexta-feira (10), a Praça Floriano Peixoto, em Maceió, foi tomada pela alegria de 700 crianças e adolescentes que participam de atividades de formação circense e grupos folclóricos de bumba-meu-boi e maculelê, além de teatro, música, dança e formação para a cidadania. As atividades fazem parte da programação do Dia Mundial de Combate ao Trabalho Infantil (12 de junho) e as crianças que fizeram a alegria de quem passou pela praça foram salvas da exploração pelo Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).     

Relatório divulgado pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que todos os anos, 500 mil crianças são vitimas de acidentes de trabalho, o que mostra a face mais cruel do trabalho infantil. Prática condenável, por ser incompatível com a infância, a exploração do trabalho infantil é potencializada pelo perigo a que expõe seus pequenos escravos obrigados a exercer funções perigosas até para pessoas adultas. 
Prejudicial, qualquer que seja a atividade que envolva, porque mutila o processo de desenvolvimento de mais de 100 milhões de crianças em todo o mundo, segundo a própria OIT, o trabalho infantil é ainda mais destrutivo quando se refere às chamadas piores formas, que incluem a servidão e o recrutamento para participação em conflitos armados; prostituição; tráfico e venda de drogas ou qualquer atividade que pela própria natureza ou circunstância em que é executada ofereça risco à saúde, à segurança e à moral da criança.

Em Alagoas, durante muito tempo, exércitos de crianças e adolescentes foram recrutados como mão de obra barata nas lavouras, principalmente de fumo e de cana de açúcar, perpetuando a realidade de miséria, analfabetismo, servidão e desigualdade social que historicamente mantém o Estado na liderança dos baixos indicadores sociais.

Instituído pelo governo federal em 1996, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) mudou a vida de milhares de crianças da região fumageira de Arapiraca, onde, em 2002, mais de 7 mil crianças e adolescentes foram retiradas da lavoura e levadas para a escola. O título de “o maior Peti do Brasil”, conferido à época pelo Ministério do Desenvolvimento Social, gestor do programa, mostrava ao País que milhares de crianças alagoanas trocavam a escola, as brincadeiras próprias da idade e as perspectivas de futuro pelo trabalho de sol a sol.

Expostas à atividade insalubre e perigosa, algumas perderam as impressões digitais nas folhas de fumo que eram obrigadas a “destalar”, verbete mais conhecido nas regiões em que a atividade de tirar as nervuras das folhas de fumo tirou a infância de muitos alagoanos. 

O Peti de Arapiraca encolheu, à medida que a atividade econômica do meio rural se diversificou, o programa se consolidou e as instituições fiscalizadoras intensificaram a vigilância ao trabalho infantil. Em 2010, havia 1.750 crianças e adolescentes atendidos no município. Isso mostra que o número de meninos e meninas potencialmente explorados caiu, numa demonstração de que a realidade social da população também mudou com a conscientização de que as crianças devem frequentar a escola para se qualificar para a vida e o trabalho, quando tiverem maturidade física e intelectual para isso, cumprindo todas as etapas do processo de desenvolvimento humano.

Dados mais recentes do Ministério Público do Trabalho mostram que assim como nas lavouras de fumo, os alagoanos menores de 18 anos deixaram os canaviais. A vigilância mantém o foco no meio rural, onde ainda é comum crianças trabalharem na agricultura familiar, mas se volta para outras frentes onde a prática danosa persiste.  Este ano, a campanha nacional teve como tema “Trabalho Infantil – deixar de estudar é um dos riscos”, com ênfase no trabalho infantil doméstico, informal urbano (nas ruas), na agricultura (aplicação de agrotóxico) e no lixo.

Para alertar o mundo sobre a importância de cumprir o compromisso com o futuro, o relatório “Crianças em trabalhos perigosos: o que sabemos, o que precisamos fazer”, divulgado pela OIT na última sexta-feira (10), traz importantes conclusões:

• As crianças têm maiores taxas de acidentes e mortes no trabalho do que os adultos, como foi demonstrado por uma série de pesquisas.

• Um número substancial de crianças passa longas horas no trabalho, o que aumenta significativamente o risco de acidentes.

• O maior número de crianças em trabalhos perigosos está em países da Ásia e do Pacífico. No entanto, a maior proporção de crianças em trabalhos perigosos em relação ao número total de crianças da região está na África subsaariana.

• A maior parte da queda do número total de crianças em trabalhos perigosos ocorreu entre as meninas.

• Mais de 60% das crianças em trabalhos perigosos são meninos.

• O trabalho perigoso é mais comumente encontrado na agricultura, incluindo a silvicultura, pesca, pecuária e aquicultura, além de agricultura de subsistência e agricultura comercial.

O relatório da OIT conclui que, embora exista a necessidade de reforçar a segurança e a saúde no trabalho para todos os trabalhadores, são necessárias salvaguardas específicas para adolescentes entre a idade mínima de emprego [14 anos, na condição de aprendiz] e os 18 anos.

Essas medidas devem ser parte de uma abordagem global na qual as organizações de empregadores e de trabalhadores e a inspeção do trabalho têm importante papel a desempenhar.

Até agora, 173 dos 183 Estados-membros da OIT,  inclusive o Brasil, comprometeram-se a combater a prática do trabalho perigoso para crianças como uma “questão urgente”, ao ratificarem a Convenção nº 182, que trata das piores formas de trabalho infantil.

No Brasil, estima-se que o número seja de 4,2 milhões de crianças trabalhando, sendo que mais da metade executa atividades perigosas. De acordo com o Ministério do Trabalho e do Emprego, em 2011 foram afastadas 3,7 mil crianças e adolescentes do trabalho . No ano passado, 5.620 crianças e adolescentes foram resgatados desta situação.

A diretora do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest) da Secretaria de Estado da Saúde, Gardênia Santana, explica a que estão condenadas as crianças que trabalham. “Elas ficam expostas a assaltos, violência sexual, atropelamento e drogas. Nas atividades domésticas, ocorrem queimaduras, algumas apresentam problemas de coluna e também são assediadas sexualmente. No lixo elas ficam expostas a doenças, como dengue, tétano e verminoses; no setor agrícola, são vulneráveis às intoxicações, envelhecimento precoce e podem adquirir câncer”.  

Conhecedora do problema e de suas consequências, ela nos convida a assumir nossa cota individual de participação na construção do futuro: “O combate ao trabalho infantil é uma forma de garantir os direitos das crianças e uma responsabilidade de toda a sociedade”.