domingo, 20 de dezembro de 2015

Informação e prevenção



À esquerda, cérebro de tamanho normal, acima de 33 cm de diâmetro; à direita, cérebro com menos de 33cm, microcéfalo



Lembro que na minha infância havia, em um sítio vizinho, uma menina com um dos braços bem curto, que terminava em uma mãozinha minúscula, que parecia ter sido colocada ali, à semelhança de um brinco. Mais tarde, na universidade, conheci uma moça que tinha a mesma característica e só nesse período, vim a saber que se tratava da síndrome da Talidomida, ou focomelia, malformação de encurtamento ou aproximação dos membros, causada por um medicamento, a Talidomida, usado pelas mães durante a gravidez. Também conheço dois rapazes, lá de Paulo Jacinto (AL), que tiveram paralisia infantil. Lembro que suas mães relatavam não terem sido vacinados e que, por isso, teriam sido acometidos pela perda de mobilidade nos membros inferiores. 

São situações diferentes, mas que poderiam ter sido evitadas com informação e prevenção. A mãe de uma das vítimas de paralisia infantil contou a minha mãe que não levara seu filho para vacinar porque a vacinação ocorrera em dia de colheita, e ela estava atarefada, cozinhando para os trabalhadores do sítio. A outra disse que seu bebê estava doente e que fora aconselhada a não vaciná-lo por temer efeitos colaterais. Os dois nasceram no final dos anos 1960, em tempos de informação tutelada, ainda mais numa cidadezinha do interior de Alagoas, onde os meios de comunicação mais acessíveis eram o autofalante da igreja e a PR[1] Vitória, a rádio do Sr. José Chaves, empresário do ramo alimentício muito prestativo, que dava avisos e anunciava a chegada de cartas e encomendas, de segunda à sexta, sempre ao meio-dia.

A informação, sobretudo quando em situações de interesse público, nunca é excessiva. O último diagnóstico de pólio no Brasil ocorreu em 1990, mas na última campanha de vacinação aqui em Alagoas, houve duas prorrogações porque o sistema de saúde não conseguiu atingir a meta no prazo regular, nem na primeira prorrogação. A poliomielite foi erradicada, mas a criança só é considerada imunizada após quatro ou seis reforços, que devem ser administrados sistematicamente nas crianças de zero a menos de 5 anos. E essa informação precisa circular, fazendo ver, principalmente aos pais e mães mais jovens, o benefício da vacinação, bem como as consequências de não vacinar seus filhos. 

Agora, em plena era da informação, vem nos assombrar, como “problema de saúde pública”²[2],  um surto de microcefalia cujas causas ainda são meramente estimadas, mas os registros suspeitos já chegam à casa dos milhares em todo o Brasil, com altíssima incidência no Nordeste, sendo Pernambuco o “campeão” absoluto do lamentável ranking e também, por isso, o estado que fez ecoar o alarme que pôs em alerta todo o Brasil. 

Conforme atualização divulgada no último dia 15 de dezembro pelo Ministério da Saúde, haviam sido registrados no Brasil, até o dia 12 de dezembro, 2.401 casos suspeitos da doença, com 29 mortes. O MS investiga outros 2.165 casos e mais uma morte. 
Pernambuco teria, segundo a última atualização, 646 casos sob acompanhamento, com 29 confirmados por associação ao zika vírus. O estado é seguido, até o 9º lugar, de todos os estados nordestinos. Depois, vem o Rio de Janeiro (12), até chegar ao Mato Grosso do Sul, onde haveria um caso suspeito. Alagoas aparece no 5º lugar, e os números têm tido atualização diária, com escala ascendente.

Na última segunda-feira (14), o governo federal lançou um Protocolo de Atenção à Saúde para Microcefalia. O documento recomenda, entre outras estratégias, a busca ativa de mulheres em idade fértil e com suspeita de gravidez, ampliação do acesso a testes rápidos e antecipação do pré-natal. São orientações aos profissionais de saúde para promover a identificação precoce da doença e os cuidados especializados da gestante e do bebê.

É o momento em que a comunicação, sobretudo nas comunidades mais pobres e mais sujeitas à desinformação, deve ser massificada porque, uma vez constatada, a microcefalia não tem cura. Nem tratamento, segundo o portal do MS. “Não há tratamento específico para a microcefalia. Existem ações de suporte que podem auxiliar no desenvolvimento do bebê e da criança, e este acompanhamento é preconizado pelo Sistema Único da Saúde (SUS). Como cada criança desenvolve complicações diferentes – entre elas respiratórias, neurológicas e motoras –, o acompanhamento por diferentes especialistas vai depender de suas funções que ficarem comprometidas”. 

É esta a resposta do Ministério da Saúde à pergunta “Qual o tratamento para a microcefalia?”. No portal do órgão [http://portalsaude.saude.gov.br/] há muita informação sobre o assunto. Há duas abas “Microcefalia e zika vírus – orientações gerais” e “Dengue, chikungunya e zika – prevenção e combate”, com informações sobre o que fazer para prevenir que o surto evolua para uma epidemia de brasileiros com limitações físicas e motoras em consequência da microcefalia. Que, com informação e ações de prevenção, pode ser evitada. 

Compartilhamos tanta coisa da vida privada, da nossa própria e de outros, assim como comentários valorativos, às vezes, até degradantes e injuriosos... Por que não compartilhamos, ou compartilhamos menos informação valiosa, importante, capaz de contribuir para a prevenção, para evitar que haja uma geração marcada por pessoas com limitações físicas e/ou motoras? 

Nas mídias sociais, a informação se propaga mais rapidamente, torna-se mais acessível. Em vez dos tão comuns gracejos falaciosos e detratores, podemos dar nossa contribuição, pela informação, ao esforço pela erradicação do zika vírus e à prevenção do aumento dos casos de bebês com microcefalia. Assim como, pela informação, erradicaram-se a síndrome da Talidomida e a poliomielite, vamos contribuir para a erradicação da microcefalia por associação com o zika vírus.  


Pelo último Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde (Sesau), havia quatro casos de microcefalia sendo monitorados em Paulo Jacinto, uma cidadezinha do interior de Alagoas, onde todos se conhecem e eu nunca vi ninguém com microcefalia. E onde, em pouco tempo, algumas crianças se tornarão referência de um problema de saúde incurável, porém prevenível. 


As informações desse post contam com o valioso suporte dos links







[1] PRS (Personal Radio Service) – Serviço Pessoal de Rádio, in: https://en.wikipedia.org/wiki/Personal_radio_service
[2] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-790X2006000100018&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

domingo, 9 de agosto de 2015

Pais, sejam Pais






Meu pai morreu em 1976, aos 29 anos, quando eu tinha 5. Meu irmão tinha 7 e minha irmã, apenas 10 meses. Crescemos sem pai e sua ausência nos segue vida afora. Mesmo 40 anos depois, não há compensação que nos livre da saudade ou que sane essa dorzinha que nos acompanha, principalmente quando se aproxima e chega o Dia dos Pais. Mesmo tanto tempo depois, guardo lembranças do quão marcante foi sua passagem por nossas vidas.   

Lembro de afagos, de histórias contadas debaixo da mangueira em frente a nossa casa no Sítio Barro Preto, dos dias festivos de colheita e ensacamento do algodão, dos passeios a cavalo – meu irmão na garupa, abraçado a sua cintura, eu na frente da sela, protegida por seus braços. Aos domingos, quando voltava da feira, descia do cavalo e ficava lá, debaixo da mangueira, esperando um copo d’água servido por mim ou meu irmão, o que conseguisse chegar primeiro. Na sequência, estávamos autorizados a revolver-lhe os bolsos, invariavelmente cheios de balas e guloseimas. Velhos tempos. Belos dias.


Um dia, quando eu tinha uns 4 anos, meu irmão foi incumbido de banhar o cavalo no açude. Não sei se se atribui ao tempo ou à liberdade da vida no campo, mas não havia nada demais em designar uma criança de 6 anos para lavar um cavalo, acompanhado de outra de 4, que fazia figuração. Na ida, a recomendação: “Nada de montar o cavalo molhado”. Ouvimos, mas esquecemos.


Cavalo limpo, molhado e liso, preso apenas a uma corda, pareceu-nos que voltar montados agilizaria a atividade. Habilidosos, subimos e lá íamos bem felizes, quando, numa subidinha antes de casa, deslizamos e caímos debaixo de uma árvore cheia de espinhos, conhecida como mau-vizinho. Pernas lanhadas pelos espinhos, cavalo perdido e todo lambuzado, lá fomos nós chorando, desesperados.


Meu pai nos abordou, disse que avisara para não montarmos e pediu que minha mãe nos limpasse, enquanto corria ao cercado para laçar o cavalo, que precisou de um novo banho. Na volta, aparentando calma, perguntou por que havíamos montado, mas permanecemos mudos e cabisbaixos. “Para aprender a não desobedecer, vão ganhar, cada um, uma palmada”, anunciou, antes da prática, que nos fez chorar pelo resto da tarde.


Foi a única vez em que nos castigou. Enquanto houve tempo, cuidou de nós e nos protegeu. Agricultor, cuidava da própria plantação e do sítio onde morávamos, até o dia em que, de tão seca, a terra parou de produzir. Então, decidiu que emigraríamos para São Paulo, como faziam, àquele tempo, tantas famílias nordestinas. Mamãe licenciou-se do trabalho como professora e lá fomos nós para uma vida completamente nova. Trocamos a contemplação do por-do-sol alaranjado da Serra Grande por finais de tarde à frente da TV e as brincadeiras ao ar livre pela vida de portas fechadas e uns poucos domingos no parque.


Seis meses depois, acordei no meio da noite com a casa cheia de gente. Vi minha mãe chorando, abraçada a uma vizinha. Elas contaram que o papai tinha passado mal e estava no hospital, mas já sabiam que estava morto, vítima de infarto fulminante. 

O dia triste que se seguiu ficou eternizado. Minha tia me vestiu com uma roupa nova – casaco preto e saia azul –, deixou minha irmãzinha na casa da vizinha e me guiou, junto com meu irmão, para um dia longo e triste, vivido entre o choro e o nó na garganta. E enquanto aquele dia passava, fui guardando, numa nuvenzinha, os dias em que íamos pescar, jogar milho para as galinhas, tirar jabuticabas da cor dos meus olhos, como ele gostava de dizer; colher mangas e maracujá-açu ou descansar na rede armada no alpendre, olhando as nuvens, enquanto ele prendia uma orquídea roxa ao troco do ipê amarelo que sombreava nossas tardes.


A vida seguiu, Mamãe se fez pai e quando fiz 30 anos, a vida me fez pai também. “Pãe”, como diz minha Bia. E as lições de cuidado, carinho e afeto, responsabilidade e parceria ministradas por meu pai e minha mãe, que com firmeza e determinação, assumiu as rédeas, depois que ele partiu, continuam a me guiar. Ah! Sou totalmente contra a palmada ou qualquer outro tipo de castigo físico em crianças. Mas não sinto nenhuma mágoa por essa história, ela é mais uma do meu pequeno baú de lembranças do meu pai. Que talvez não fosse perfeito, em sua pouca idade, mas sabia ser Pai. E 40 anos depois, ainda o é. Como é minha mãe e procuro ser, à sombra do seu exemplo. Feliz Dia dos Pais! E pais, sejam pais.