quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Os gritos de Gilvanete




Os olhos de Alagoas devem se virar para uma menininha que nasceu prematura, vítima de violência doméstica que resultou na morte de sua mãe. Não creio haver violência mais cruel do que a perpetrada contra uma mulher grávida de oito meses e mãe de quatro filhos pequenos. Mais ainda, quando o agressor é seu companheiro e pai do bebê que espera.

Gilvanete Rosendo da Silva, 40, morreu na última terça-feira (29), depois de dias internada em estado grave por ter sido agredida com uma barra de ferro pelo marido, Adriano dos Santos, com o qual tinha uma filha pequena e esperava a segunda.

Guerreira, Gilvanete guardou energia suficiente para salvar sua filha, que nasceu saudável, apesar do trauma que apressou seu nascimento. Após dar à luz, em parto emergencial e sentenciada à morte pela gravidade da agressão, Gilvanete resisitiu tempo suficiente para que nós a ouvíssemos e atentássemos para um problema grave que afeta milhares de mulheres e crianças no Brasil.

Assim como Gilvanete, 5.496 mulheres foram hospitalizadas em unidades da rede pública em 2011 em decorrência de agressões, segundo informações do Ministério da Saúde. Nos últimos 10 anos, segundo o Mapa da Violencia, 43,5 mil mulheres morreram no Brasil após sofrer violência doméstica.

Além das duas meninas que teve com Adriano dos Santos, Gilvanete era mãe de outras três crianças que perderam a mãe e que estão, nesse momento, sob os cuidados de familiares.

Mesmo imobilizada – seu companheiro a deixou tetraplégica –, Gilvanete promoveu uma mobilização silenciosa contra a violência doméstica. Ela protegeu a criança que carregava na barriga e chamou a atenção da vizinhança, da imprensa, das autoridades, da sociedade, enfim.

Que os gritos de Gilvanete ecoem e sejam amplificados. Em novembro do ano passado, o governo federal lançou a campanha Compromisso e Atitude: Lei Maria da Penha – A Lei é Mais Forte, que fortalece os mecanismos de proteção da vítima e punição dos agressores. No entanto, para que a proteção seja exercida, é necessário que a sociedade se disponha a “meter a colher” e denuncie.

Vizinhos de Gilvanete informaram à imprensa que ela já havia sofrido violência doméstica antes, mas todos silenciaram, e o marido, crente na impunidade e acostumado ao silêncio de todos e à resignação da mulher, prosseguiu até a insanidade. Matou a mulher e atentou contra a vida da filha. Só então, os vizinhos denunciaram.

Agora, a Lei é Mais Forte. A Delegacia da Mulher recebe denúncia feita por terceiros e mesmo que no decorrer da processo, a mulher vítima da violência retire a queixa, a polícia manterá a investigação e o processo contra o agressor. É comum a mulher se arrepender e retirar a queixa, por sofrer ameaças ou por depender economicamente do agressor. Atentas a essas práticas, as autoridades fortaleceram o alcance da lei.

Quem for preso por violência contra a mulher será punido e para reduzir a vulnerabilidade das mulheres que dependem financeiramente dos agressores, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou, em dezembro de 2012, projeto de lei que propõe a criação do Fundo Nacional de Amparo a Mulheres Agredidas (Fnama). O projeto, que será votado na Câmara, prevê auxílio financeiro e qualificação profissional para mulheres que sofrerem violência.

Dados divulgados no último dia 29 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República mostram que o município alagoano de Arapiraca é um dos 10 que mais acessam os números da  Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180   no Brasil. Maceió também figura entre as dez capitais que mais acessam o serviço. A sociedade está atenta ao problema, e os agressores só serão punidos pelo crime contra a mulher se a gente se incomodar com o que acontece ao nosso redor.

A violência que agride e mata mulheres também fere seus filhos. “Ao longo do ano passado, o Ligue 180 registrou 732.468 atendimentos. Entre eles, 270.084 foram pedidos de informação e 128.256, solicitações de encaminhamentos para serviços especializados de atenção às mulheres em situação de violência. Foram efetuados 88.685 relatos de violência, sendo 92% referentes à violência doméstica. Em 66% desse tipo de relato, filhos e filhas presenciaram a violência cometida contra suas mães”, informa a SPM.

Os gritos das mulheres têm que ser ouvidos. Em 2008, mulheres da comunidade Córrego do Euclides, no Recife, passaram a apitar a cada vez que uma mulher sofria violência doméstica. Quando vários apitos se faziam ouvir, a agressão cessava e estudos posteriores mostram que a prática tornou-se importante instrumento de defesa das mulheres da comunidade. Com o Ligue 180, nem é preciso apitar. A ligação é gratuita, pode ser feita de qualquer lugar do Brasil e também atende mulheres em situação de violência que estejam na Espanha, Itália ou em Portugal. Portanto, se houver briga de marido e mulher e vazar a parede de casa, Ligue 180.

Para mais informações, acesse  http://www.compromissoeatitude.org.br