quarta-feira, 7 de março de 2012

Criança descalça comove? Para onde vai o tênis que trocamos pelo modelo novo?



Fiz minha incursão na blogosfera em 2010, quando, na primeira viagem internacional, não resisti, mesmo de férias, a registrar tudo o que vi e vivi daquela experiência. Na sequência, e já com saudade dos artigos que publiquei em O Jornal, entre 2004 e 2008, a maioria sobre direitos da criança, decidi que faria um blog sobre o mesmo assunto, pelo qual tenho especial afeição. Assim nasceu este Curumins, que se configuraria, pela proposição, como objeto de estudo de pós-graduação. Mas o blog não pegou, embora o tenha divulgado entre minha rede de contatos, que inclui fontes, formadores de opinião e militantes dos direitos da infância. A situação “minou” a pretensão mobilizadora e – confesso – provocou desmotivação.

Poucos aderiram, muito poucos comentaram, ninguém colaborou. Ou seja, o objeto da dissertação não vingou. Caiu, assim, o objetivo geral da iniciativa, mas não os específicos, porque a discussão proposta está mantida. Hoje o blog retoma sua trilha silenciosa, que tentarei manter com regularidade.

Curiosamente, moveu-me a esta trilha a lembrança de outra iniciativa que não pegou. Em abril de 2010, um mês antes da viagem que deu origem ao blog www.aalemanhaquevi.blogspot.com, levei minha filha pequena para sua primeira competição no Pavilhão do Basquete Comendador Tércio Wanderley, em Maceió. Do outro lado da quadra, deparei-me com atletas – de 9 e 10 anos – descalças, que assim se dispunham a jogar porque não tinham tênis.

Chocada, juntei-me ao coro de outras mães que questionavam a desigualdade de condições, mas o jogo foi mantido e ao final, voltamos para casa – eu e minha filha – carregando uma medalha envergonhada, conquistada em cima do desconforto das pequenas guerreiras descalças.

No primeiro dia de aulas após o episódio, tentamos – eu e algumas mães das meninas calçadas – arrecadar tênis novos e/ou usados para as atletas descalças com a comunidade escolar. Publiquei um artigo [reproduzido abaixo] sobre o episódio, na tentativa de mobilizar doadores, mas não obtivemos nenhum retorno. Nenhum par de tênis foi recolhido, nem mesmo os que eu prometera, porque – admito -não tive coragem de seguir sozinha.

Viajei e na volta das férias, encontrei o Brasil mobilizado para ajudar a população de Alagoas e Pernambuco a reconstruir suas vidas depois das enchentes que destruíram cidades inteiras naquele junho de 2010. O interesse em ajudar o time de meninas descalças havia sido superado, com justiça, pela carência absoluta das vítimas das enchentes.

O tempo passou e eu própria, antes comovida com a visão das atletas descalças, também me esqueci de tentar ajudá-las. Até a semana passada, quando uma menina americana de 14 anos potencializou meu desconforto pela falta de iniciativa, pela desistência do que poderia ter sido uma atitude capaz de minimizar a vergonha de ter permitido que minha filha disputasse um jogo com adversárias de pés descalços.

Ao acessar o portal G1 [ www.g1.globo.com ], no último dia 1º, encantaram-me os personagens da série de reportagens Transformadores – pessoas que mudaram o mundo, especialmente o perfil de Sara Kebede  [ http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/03/tenis-doados-por-garota-incentivam-etiopia-como-potencia-do-atletismo.html ], que aos 9 anos, após visitar a Etiópia, país de origem de seu pai, indignou-se ao ver que grande parte dos atletas competia descalça. Incomodada com aquela realidade, tão distante da sua, decidiu contribuir para superá-la. E aos 14 anos, fez a primeira entrega de 250 pares de tênis, de um total de 2.000 pares arrecadados com gente que assume a responsabilidade de cuidar do outro.  

Resolvi postar esse texto, esperando que, mais do que a autodeclaração de iniciativas fracassadas, esta possa ser também a retomada de um ato que, frustrado na primeira tentativa, pode ser reativado, com resultados significativos e declarações de amor ao outro, personificado em crianças que, mesmo alijadas de direitos fundamentais, sonham em conquistar seu lugar na quadra, no pódio, na escola, na sociedade.

Quem sabe, alguns dos 19 seguidores deste Curumins, dos meus 471 amigos do Facebook, dos 121 seguidos e 137 seguidores do Twitter, além das centenas de integrantes do mailing list não se incomodam?

Segue artigo publicado na edição do dia 2 de maio de 2010 no semanário A Semana

Em campos desiguais

“Os abismos entre a escola pública e a escola particular não são só estatísticas, são o mundo real de milhões de crianças e adolescentes”

Elen Oliveira
Jornalista

Na semana passada, assisti, no Pavilhão de Basquete do Jaraguá Tênis Clube, ao Campeonato de Minibasquete promovido pela Federação de Basketball de Alagoas. Na quadra, disputavam medalhas atletas de 9 e 10 anos. Ao chegar, louvei o grande exemplo do esporte mirim, em que todos são iguais na busca por um objetivo comum. Na quadra havia menininhas magrelas, cheinhas, umas baixinhas e outras consideradas altas para a idade. Vi o esporte preparando para a vida, mostrando que há espaço para todos, fortalecendo as individualidades como aspectos complementares à convivência.

Um pouco antes do início do jogo, a professora/treinadora chamou os pais para informar que as meninas jogariam com uma equipe de uma escola municipal, comunicando, em seguida, que as meninas jogariam sem tênis. Diante de mães e pais chocados, a professora justificou: “o professor me informou que elas estão acostumadas, pois também treinam descalças.” 

A informação transtornou o ambiente, inicialmente festivo, num misto de constrangimento e vergonha. De um modo muito direto, a visão de atletas mirins, jogando de pés descalços contra atletas mirins bem calçadas, correndo e pulando sobre tênis com amortecimento de impacto, nos deu um flash da desigualdade que ignoramos, no nosso cotidiano de janelas cerradas, ocupados na busca por oferecer sempre o melhor para nossos filhos, de como é carente a infância de Alagoas e do Brasil.

Aquelas pequenas atletas, jogando descalças, numa quadra de basquete profissional, obrigaram-nos, pais e mães das meninas calçadas, que ali estávamos para aplaudir os feitos dos nossos filhos, a olhar para o outro lado da quadra. Obrigaram-nos, pelo menos naquele momento, a encarar a luta desigual de meninos e meninas que diariamente, desde muito cedo, são expostos às dificuldades da vida, tornando-se parte do que há de mais desumano na construção da humanidade.

As meninas de Jaraguá, jogando de pés descalços, deram-nos uma lição de grandeza imensurável. Silenciosamente, sem pedir nada a ninguém, mobilizaram os pais das meninas calçadas a olhar no entorno, a ver que os abismos entre a escola pública e a escola particular não são só estatísticas, são o mundo real de milhões de crianças e adolescentes. São meninos e meninas que vão à escola com fome, que vão para a quadra descalços e que, mesmo diante de toda a adversidade, olham a vida com esperança. Esses abismos, transpostos pelo esforço de pais e mães que tomam um ônibus, no sábado de manhã, para levar suas meninas descalças a disputar um campeonato, em condições desiguais, não serão resolvidos com os tênis que as mães das meninas calçadas, comovidas pela desigualdade, vamos dar [prometemos, mas não demos] às meninas que jogaram descalças. Mas nos fazem pensar.

Esses abismos, expostos minimamente ali na quadra do Pavilhão do Basquete Comendador Tércio Wanderley, dão uma mostra ínfima do quanto falta, ao poder público e a cada um de nós, cidadãos, em capacidade para definir o que é prioritário.

O professor de educação física que levou as meninas, mesmo descalças, a mostrar seu potencial para enfrentar a vida, faz a parte dele. Os pais dessas meninas, que vibravam a cada cesta convertida, incentivando-as a ir em frente, podem encarar o mundo como cidadãos. Quanto a nós, que nos comovemos, ainda temos muito que aprender em termos de humanidade e cidadania. Nós poderíamos ter pedido a nossas filhas que, para garantir uma disputa igual, elas também jogassem descalças, como sugeriu depois uma amiga, quando lhe contei o que vi.

Nossas meninas, que ganharam os dois jogos, também crescerão sem olhar para o lado, se não mostrarmos a elas que uma pisada no pé, em condições tão desiguais, é muito mais dolorida. Elas precisam ser orientadas a enxergar que enquanto escolhem o tênis com que vão jogar, as meninas da escola pública nem sempre têm o que calçar.

8 comentários:

  1. Pode contar comigo nessa campanha Elen. Um par de tênis eu garanto. Também vou divulgar entre os meus amigos das redes sociais. A proposta está lançada e agora é só esperar que todos colaborem...

    Beijos!!!

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  2. some-se ao da Jamylle um meu, um da Jade e um da Maya, chefinha. e lembre-se: um dos traços mais característico dos capricornianos é a perseverança. estamos juntas nessa!

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  3. Conte comigo tbm. Suana.

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  4. Obrigada, Mylle, Yvette - saudaaaades de você -, Suana! Recebi, assim como estes, outros contatos que me deixaram muito feliz com a receptividade a esta causa - pequena, mas significativa. Estamos preparando um banner com detalhes, mas adianto que passarei para recolher tudo o que for doado e para agradecer aos colaboradores. Depois, faremos - assim espero - a festa com as crianças beneficiadas. Grata!!!

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  5. Elen, gosto muito da forma e do conteúdo dos seus textos. Pode contar comigo para quaisquer ações nobres. Em tempo: nem sempre a “grande mídia” se dispõe a informar sobre assuntos importantes. Cabe ao grupo dos poucos (e bons) fazer isso. Grupo do qual você faz parte. Informar (e ajudar) a sociedade é mais do que um favor – é um dever. Mantenha contato.
    Agamenon Magalhães Júnior.
    (facebook.com/prof.agamenon)

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  6. Elen querida, saudades!!!!

    Vou ligar pra vc para combinarmos uma ação efetiva: a partir desse banner que vc falou, vamos imprimir um folhetinho bem simples da campanha. Depois, vamos pedir autorização para anexá-lo no carnê da System (Maria Eugênia disse que tenta lá) e no boleto do condomínio do Horto 1, onde moro, e do Horto 2, aqui vizinho. Tenho certeza que conseguiremos vários pares. Bjs e parabéns pela iniciativa.

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  7. Tou dentro. Pode contar comigo.Bjos Ronaldo Betta

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  8. Elen, querida!
    Bonita iniciativa! Digna de uma cidadã consciente do seu papel social. Vamos lá. Acho que posso ajudar com uns dois pares, também, e com o que você precisar!. A causa é nobre.

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