segunda-feira, 25 de abril de 2011

Do "doloroso dever de informar"

Nos últimos dias, senti bem de perto a intensidade dessa expressão, conhecido clichê que antecede as chamadas "notas de falecimento" veiculadas nos jornais. No plantão jornalístico da última sexta-feira (22), um dia após a localização dos corpos de Cícera Beatriz e Samara, as irmãs adolescentes raptadas e executadas em Coruripe, cumpri o "doloroso dever de informar".

Diante do "assunto do dia", coube-me ligar para os familiares para pedir informações atualizadas sobre eventuais suspeitos do crime, os resultados do laudo cadavérico e mais o que a família pudesse informar, mesmo diante de "tanta dor", como me reportou José Raimundo, o pai das duas meninas.

Dias antes, conversando com minha filha sobre o crime de Realengo (RJ), falávamos sobre o ato de solidarizar-se com a dor do outro. E observei com que sensibilidade minha menina falou sobre o assunto, de modo a se emocionar quando disse que assistiu na TV a uma criança contar, chorando, que  para salvar a própria vida, deixara para trás uma amiguinha ferida a gritar pela mãe. E dias depois, por dever de ofício, eis-me a tocar na dor de uma família ferida pela crueldade com que lhes tiraram suas crianças.

José Raimundo e Betânia, tia das meninas, cumpriram bravamente o "doloroso dever de informar". Depois de 23 dias de busca angustiada, o desfecho trágico não encerrou o assunto. A família não silenciou, em sua dor, porque ainda considera necessário clamar por justiça e cobrar, do mesmo aparelho policial que não conseguiu empreender uma busca ativa capaz de resultar no resgate das adolescentes, eficiência na identificação do(s) culpado(s).

Betânia contou que em uma das vezes em que esteve na delegacia, a família ouviu de um despreparado agente público que suas sobrinhas deveriam "estar na praia". Neste momento, pelo estado em que os corpos foram encontrados, talvez elas nem estivessem mais vivas. E quem sabe, em sua insensibilidade, o policial estivesse apenas a admitir, indiretamente, que àquela altura as buscas seriam inúteis. Porque mesmo o mais desinformado dos policiais há de saber que em casos de desaparecimento, inclusive em sequestro com pedido de resgate ou em situação de fuga voluntária, as primeiras horas seguintes são decisivas.

Claro que as buscas oficiais não devem cessar após os primeiros dias, como parece ter sido o caso. Mas nos primeiros dias, é possível, com alguma eficácia, fechar estradas e acessos, revistar carros com características similares ao citado na investigação, questionar os moradores da região sobre movimentação estranha ou sobre a chegada de pessoas novatas e espalhar cartazes com fotos em lugares visíveis e de grande movimentação.

É possível até, pelo modo como as meninas foram executadas, com tiros na cabeça, que o assassino tenha raptado as meninas com o propósito de matá-las e que o tenha feito no próprio momento após o rapto, sabe-se lá qual teria sido a motivação para tal perversidade. Não tenho nenhuma credencial para fazer ilação nem suposições sobre linha de investigação policial, mas o fato de os corpos terem sido encontrados com as roupas e com o material escolar que carregavam no dia do desaparecimento, que nem tenha havido violência sexual. Talvez até tenha havido tentativa e uma eventual resistência tenha desencadeado a reação ainda mais violenta, resultando no assassinato. Mas a própria ausência da autoridade policial responsável pela investigação no local do crime e na cidade, nos dias seguintes à localização dos corpos, contribui para os questionamentos.

A dificuldade de obter informações com as fontes envolvidas na investigação, nos últimos dias, fortalece o argumento dos familiares, segundo os quais, na esfera policial, o "assunto não foi levado a sério".

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